Odoyá! Ensaios Acadêmicos
Odoyá! Ensaios Pensantes
O dia em que "fui" Iemanjá... Parte I
Nunca havia começado uma relação com o dia do desfile no instante em que eu sabia qual o seria o meu figurino. Nunca. A ansiedade vinha mesmo de janeiro para frente.
Dessa vez foi diferente.
Para quem desfila em uma escola de samba como segmento, o mais importante é o foco em fazer o seu melhor papel no que seria a sua atividade principal. Ritmistas? Devem tocar muito bem os seus instrumentos musicais.
Com o desenho de Rosa Magalhães em mãos, minha postura mudou. Desde que soube que meu figurino seria uma Iemanjá, decidi que me prepararia para vestir a fantasia, mas também representar o orixá. Senti a responsabilidade da Fé de um povo.
Para entendermos o potencial dessa atitude vou, de maneira simplória, exemplificar no diagrama abaixo como vejo essa questão:
Aliado a esta imagem trago a informação que eu entendo o desfilar pela Marquês de Sapucaí como um rito de passagem.
É como se eu fosse me matando, me esgotando por aquilo que deve ser o meu ápice pela minha agremiação. É quando é chegada a hora. Preciso me sacrificar. Sambistas têm isso, morrem para e pelo personagem daquele ano para renascerem no outro Carnaval, em outra vida, outra história, outra representação.
Para quem nós, que somos sambistas, sabemos que o ato de desfilar tem nuances de Fé.
A citar o pedido de proteção a nós mesmos, à nossa escola, comunidade, os quais, minimamente, são feitos em oração.
Existem também as nuances circunstanciais, como por exemplo, relacionar-se com o que se apresenta no momento: uma sandália quebrada, uma recepção fria na avenida pelos espectadores, uma emoção latente do outro para com você.
O fato de ser Musa, no que tange a representatividade e significado histórico cultural, ao bebermos em fontes da antiguidade grega, no faz compreender questões interessantes. Estas remetem à divindade, a um poder numinoso, isto é, uma vivência que podemos ter com fatores sobrenaturais de toda ordem, os quais, agindo sobre nosso estado psíquico geral ou norma, surgem-nos uma atitude religiosa.
Esse poder também é exercido nas nossas relações e atitudes que resultam em inspirações, revelações, poderes e posicionamentos, mas também provocam o esquecimento, o que traduz-se a um processo finito. Sobre o prisma carnavalescos, observamos mais que o esquecimento (momentâneo, claro, pois as lembranças são sempre bem vindas), mas a necessidade de esquecermos, pois no ano seguinte teremos outro enredo, outro personagem.
Ainda nesta questão, ou melhor, a ampliando para - Esquecimento versus Poder da Representatividade - cabe uma pausa reflexiva sobre dois tipos de esquecimento:
1 - Da sociedade em relação às Musas - Quem nunca ouviu a justificativa, socialmente construída, para a pouca atenção dada à representação destas mulheres: Onde vocês se escondem durante o ano? Mulheres que tem representatividade no Carnaval e são esquecidas pós-momento Momesco.
2 - Das próprias Musas - Voltemos ao ponto rito de passagem. Nós mesmos colaboramos para o esquecimento a fim de que, a cada ano, tragamos novas representações como Musas. Existe uma própria necessidade de nos reencontrarmos para o renascimento, após esgotamento pela dupla representação no desfile: como segmento Musa e o personagem que se carrega no enredo.